segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A Dramatugia da Arquitetura



Finalizando a edição de “A Casa das Horas” e fico pensando em arquitetura. Na verdade, em uma dramaturgia da arquitetura. Lembrei da série “Arquiteturas”, que tem a direção de Stan Neumann e passava no Eurochannel. Os espaços em que a câmera deslizava, ou simplesmente parada, observava, nos levavam às idéias e pensamentos de arquitetos que se viam frente às questões como utilidade e arte, procurando uma simbiose entre esses dois pontos.


No caso da série, a dramaturgia dos espaços é visível, a função da câmera era documentar os prédios, então o diretor absorve do concreto, dos tijolos, do aço e do vidro os elementos que comporão a narrativa, assim, o Museu do Holocausto, aquela enorme estrutura de concreto, afoga a câmera, que se torna imóvel e registra o homem pequeno, sem alternativas, a não ser seguir naquele corredor frio de paredes cinzas. Já na divertida casa parisiense, que tem a piscina sobre a laje, a câmera sobe rápido por um elevadiço lateral, para em seguida descer pelo outro lado, um lugar maravilhoso para imaginar crianças correndo, e uma piscina de tirar o fôlego, que a imagem registra iluminada em uma noite escura de Paris, enquanto uma linda mulher mergulha e nada.


Agora, como se utilizar desses elementos no cinema quando o objetivo não é o registro da obra arquitetônica? Como se utilizar dessas dramaturgias que a locação nos propõe sem que isso não nos tire da própria narrativa e dramaturgia colocadas pela idéia original que motivou o filme?


Em “A Casa das Horas”, onde o próprio elemento arquitetônico está inserido já no título, eu recebi como um presente divino uma casa de 1910, em um estado de conservação que levava o filme para uma direção que não havia pensado. Na verdade, a casa que estava em minha mente era uma casa bem mais modesta, apertada por móveis escuros que a deixavam mais pesada, densa. Aquele palacete airoso, antigo e leve, propunha uma narrativa e uma dramaturgia menos densa, mais sonhadora, e o caso era então se deixar levar por essa correnteza, deitar-se em sua água e admirar a paisagem, ainda que de sobreaviso para não perder o rumo.


Para explicar melhor vale um exemplo: em uma cena Celeste anda pela casa triste, depois ela senta-se em um sofá e recosta-se ainda chorando. O primeiro plano seria filmado em uma lente tele-objetiva, em um corredor semi-obscuro, onde a personagem entraria e sairia da luz. No entanto o Eusélio, diretor de fotografia, ficou apaixonado por um gradil de madeira no alto de uma porta. Ele imaginava filmar a cena dalí, daquele ponto alto. Achei que ele estava fugindo do cerne da coisa, mas ele insistiu tanto que eu pensei: melhor filmar. No final gravamos as duas versões e acabei usando a dele. Na frente do computador, vendo como as coisas se sucediam na edição, achei a minha muito “pesada”. Eu via o rosto da atriz e ela chorava. Era comovente, mas no plano seguinte ela já aparecia chorando, então a cena toda ficava muito pesada. Usei então o plano filmado através do gradil. Agora, o que é interessante é que as casas antigas eram feitas com pé direito alto para aumentar a ventilação no interior das casas e os gradis nas portas permitiam que o ar passasse. O desenho daquele objeto tinha a função de deixar o ar passar e isso era exatamente o que eu queria: ventilar aquela cena. A arquitetura da casa puxava o filme para a leveza. A casa se comunicara com o filme através do olho do fotógrafo.


Há tantas outras coisas que usei... Brilhos em cristais, luzes de mosaicos, pisos de ladrilho hidráulico, os móveis..., as cascas de tinta velha descolando das paredes e janelas! Adoraria que aquela casa continuasse em pé, que não a destruíssem para colocar no lugar uma loja varejão ou um prédio horroroso, e mais, penso que queria que ela fosse preservada como a filmei, com aquela decadência sobre ela, pois a passagem do tempo tem lá sua beleza também.


Heraldo Cavalcanti