terça-feira, 11 de agosto de 2009

A Deusa e a Profanação.

Quando Janjão me falou dessa estátua, não tive dúvidas, tinha que gravar, mas ele não identificava a escultura, dizia apenas se tratar de uma escultura grega. Ele descrevia com exatidão também a localização no museu, o tamanho e o estado da obra. Sabendo que ficava no MASP fiz uma busca e encontrei a estátua da Higéia que está na cena acima.


Tamanho, localização, estado da peça, as costas encontravam-se trincadas como ele me falou, não havia dúvidas. Filmei e coloquei no filme. Foi uma das poucas cenas que mostrei antes do corte final do filme e somente à algumas pessoas. É uma de minhas favoritas. No entanto, a cena não entrou no corte final. Por quê? Pouco antes das decisões finais, mostrei à Janjão e ele rejeitou a cena. Ele me disse: “A estátua é bonita, mas não é a mesma em que passei as mãos!”. Eu repliquei: “Mas Janjão, não há outra estátua no museu como você descreve, apenas essa!”. Ele insistiu: “Não é essa!” Fiquei confuso. Poderia ter me enganado? Existiria outra estátua? Foi aí que Janjão me deu uma pista do que poderia haver acontecido: “Heraldo, essa mulher segura uma cobra na mão! Você acha que eu esqueceria uma mulher com uma cobra na mão?”. Após rir bastante da analogia com o falo, me veio a explicação: a cobra na mão transformava aquela Deusa em mulher! Uma Deusa estaria acima das relações sexuais, seria algo idealizado, a “Deusa” dos artistas, figura feminina intocável, mais ainda por estar em um museu. “Não toque nas obras!” dizem os avisos nos museus, mas Janjão a tocou, não é? A sua descrição já mostra o quanto foi importante para ele. Na sua memória, com o tempo, a imagem da escultura foi se modificando, aproximando-se daquela imagem de deusa e perfeição que ficou em sua mente, tornando seu toque mais especial e mais profano. O terreno, a cobra simboliza isso duplamente, por seu símbolo fálico e por ser um animal rastejante, foi cuidadosamente apagada da memória tornando o evento mais mágico.


Bem, esta é a explicação que encontrei e não adiantava argumentar com Janjão. Ele estava irredutível. Não era aquela e pronto! Talvez eu devesse ter levado Janjão à São Paulo e mostrado a ele que não há outra estátua, somente aquela, e filmaria o seu rosto quando percebesse “a real” imagem de sua Deusa. Conheço vários cineastas que fariam isso, mas sabe de uma coisa? Talvez ele tenha razão. Talvez eu tenha filmado a estátua errada.


Fractais Sertanejos foi selecionado para o Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo. Vou ter a oportunidade de voltar ao MASP e mais uma vez procurar a estátua misteriosa. Quem sabe ela está bem ao lado da que filmei... Talvez seja igualzinha à outra, mas maior, com mais detalhes, mais magnífica e... sem a cobra!


Na verdade cada vez que revejo a cena acima, vejo menos a cobra.


Heraldo Cavalcanti.

P.S.: Fractais Sertanejos será exibido em São Paulo nos seguintes dias e locais:

Dia 21/08 - 17H00 - CineSESC
Dia 22/08 - 16H00 - Centro Cultural São Paulo
Dia 24/08 - 21H00 - Cinemateca - Sala BNDES
Dia 27/08 - 20H00 - Cineclube Grajaú

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